terça-feira, 18 de dezembro de 2007

NÃO SOMOS RACISTAS


Certo dia, meu filho (na época com três anos de idade) chegou da escola e nos disse que a “tia” que estava cuidando dele tinha mudado. Agora, era outra. Uma tia diferente.

Naquela época me questionei sobre o quê aquele “diferente” significava, não obtive resposta. Claro, apesar de ele aos cinco ter perguntado o que era ética e quem foi o primeiro, mas o primeiro mesmo, ser humano que existiu na face da terra, seria demais pedir para que ele explicasse, aos três, o que “diferente” significava.

Fiz o que toda mãe faria (bom, pelo menos as curiosas). Cheguei de mansinho na escola e perguntei quem era a nova “tia” que estava cuidando da turma dele.

Era a fulana de tal. Era uma negra.

“Que raios”, pensei. Sou uma mulher liberal, uma mulher moderna, não me considero racista, nunca demonstrei (pelo menos não que ache) sentimentos racistas contra um ser humano e meu filho, tão pequeno, tão virgem do mundo, já analisava aquilo como uma diferença.

Sempre defendi a idéia de que não somos racistas e de não passávamos de uma nação elitista. Até que um dia, graças às maravilhosas aulas da socióloga, Mestre Simone Meucci, dei-me conta de que precisava analisar melhor todas essas idéias.

Falar de racismo é complexo, não é fácil, além de ser simplesmente desgastante. Li “Não somos racistas” de Ali Kamel, pesquisei Gilberto Freyre, reli as matérias da Folha de S. Paulo nos dias da consciência negra, enfim....fiz o que considero o básico do básico. Claro, isso inclui o deus google e teses de mestrado e doutorado espalhadas pelos sites acadêmicos.

Porém, dei-me conta de que o essencial, não havia feito: Perguntar aos próprios negros. E quando digo negros, não me refiro aos 2% do que o IBGE considera negro, mas sim as pessoas que nós consideramos negras.

- Aquilo que pro europeu seria negro e o que para nós é o mulato, o cafuzo, o caboclo e todas aquelas palhaçadas que estudamos no colegial. Aqui, negro é negro, exalta-se o carrinheiro que considera poder estar no Guiness Book por fazer em um só dia R$ 250,00 reais, vendendo recicláveis.

Esqueci os livros, as teses e fui pra rua, pros botecos. Onde achar negros para darem depoimentos? Nas universidades? Atrás de uma mesa com uma placa indicando “diretor-executivo”? Não, Não achei.

Em toda minha vida estudantil e acadêmica (lá se vão pelo menos 15 anos) tive um, apenas UM professor negro que foi demitido após dois anos de aula. Para não dizer nunca, tive apenas um amigo na escola que era negro. Adivinhem seu apelido? Negão. Na universidade, estudei com UM negro. Onde eles estão? Trabalham aonde? Em todo o bairro onde moro há apenas uma família negra. A não ser se considerarmos a favela que fica atrás da minha casa. Lá está cheio de negros. Por quê?

Enfim, deles, escutei histórias assombrosas. Mulheres que são perseguidas por sua cor, mães negras que têm filhos claros e são chamadas de babá, homens que são perseguidos em supermercados e lojas de departamento pela sua cor. Bom, pelo menos é isso que alegaram a totalidade dos “negros” com que falei.

Devemos levar em consideração, obviamente, o estigma. Podem ter alegado justamente racismo por ser simplesmente uma desculpa, uma saída mais viável, talvez. É mais fácil falar que foi por racismo do que por incompetência, por falta de provas, por qualquer outra razão. Seria o momento “diz-que-me-diz-que”.

Mas não creio nestas hipóteses. Não ao lembrar das caras indignadas das pessoas com quem falei. Rostos de ressentimento e rancor.

Acho que da maioria das histórias que escutei (e não foram poucas), muitas declararam que ao ter de escolher quem é o ladrão ou quem foi o culpado, é mais fácil os outros (normalmente, o patrão) acharem que foi o moreninho ou a negrinha. Uso estes termos, por que foram justamente estes termos usados por eles mesmos ao retratarem suas próprias histórias.

Não penso em chegar a uma conclusão, longe disso. Penso em reflexão, pois senti totalitarismo ao ouvir estes depoimentos. Senti, ao escutar essas histórias como se estivesse trafegando no mundo islâmico. No totalitarismo islâmico. Não aceitamos o que é diferente? Aceitamos racionalmente o diferente? Não aceitamos a história? ....Tão mal a conhecemos.

E meu filho, tão pouco sabia que ser diferente é normal.

Nenhum comentário: